
Por
uma inconveniência do destino, eu escrevi um texto de preparação para Discovery em outro portal. Durante o meu
processo criativo, percebi que poderia conversar com uma das pessoas mais
“nerds” e instruídas no assunto. Por consequência da limitação de espaço do meu
texto, a conversa/entrevista não foi introduzida inteiramente no formato. Agora,
pasmem: ele (a pessoa), além de reclamar do que escrevi, já que não agregou
toda a sua fala “transgressora”, apontou uma falha. Compreendi o erro, mas
discordei. Ele contou que Star Trek estuda, exclusivamente, utopia, e não toca em
assuntos distópicos. Análise curiosa, sem dúvidas. O problema foi ter dito que
outros “trekkers” se aborreceram e resolveram discorrer sobre a “falha” do
texto em suas redes sociais.
Vejamos
bem. Eric Rohmer disse que cada filme é um movimento de sua época. Enquanto que
Discovery estreou na Netflix, alguns autodeclarados “fãs” reclamam da etnia da
protagonista, da liberdade criativa de se associar ao cinema e de não aceitarem
que a série virou mais fantasia que ficção cientifica, apesar do cerne
original, criado por Gene Roddenberry, ser sci-fi. Impressiona um produto de 51
anos, recheados de metáforas modernas e arrebatadoras sobre a evolução da
humanidade, ter tantos fãs que acreditam que o produto é seu, exclusivamente.
E, pior, que pode reclamar, xingar, acusar, como se outros não estivessem
envolvidos espiritualmente também.
Por
conseguinte, Discovery estreou, às 4h da manhã no Brasil e em outros 189
países. Um feito e tanto. O primeiro episódio, intitulado The Volcano Hello, começa com a nave estelar USS Shenzhou, no ano
2256, em zona de guerra. O exército Klingon, amargurado desde o conflito
iniciado em Star Trek: Enterprise, se
rebela contra a Federação e entra em conflito para aniquilar todos que usam o uniforme que possui uma estrela no peito.
É
curioso, no entanto, identificar em sua abertura os nomes presentes. Alex
Kurtzman, por exemplo, desenvolve os roteiros ao lado de seus diretores.
Kurtzman, aos esquecidos, veio da trilogia de J.J Abrams, como roteirista
também. Depois dele temos Nicholas Meyer, diretor de A Ira de Khan, de 1982, e Bryan Fuller, produtor envolvido com
cinema também. O trio, aprovado por Eugene Roddenberry, filho de Gene, inicia a
aventura com um pé no fantástico, ainda que tenha inúmeros elementos da série
clássica.
A
trama, para começar, não é episódica. Os episódios contam uma história que,
como em toda série, concluirá no último capítulo da temporada ou da série
inteira, algo ainda a se esperar. Tal história, por outro lado, não decepciona.
Ela possui uma trama estilo Além da Escuridão, com duas personagens presas em
um planeta, e que, por esperteza da capitã, saem, mas ficam encurraladas na
região do planeta pós-orbitado. Já na nave, a inteiração entre ambos funcionam,
principalmente entre o trio: Capitã Phillippa, Michael e Saru, o primeiro
alienígena novo do show.
O
elenco, do mesmo modo, fica a vontade. Enquanto que a capitã desenvolve
elegância, a oficial de ciências mostra capacidade de comandar, mesmo sujeita a falhas, assim como o alienígena, que, interpretado sabiamente por Doug Jones, é
um personagem fraco, indeciso e prevenido, o que lembra, tanto em design, como
em características, o Abe, de Hellboy, interpretado também por Jones.
Já a
trama logo em seu primeiro episódio, se assume como “cinema”. A batalha naval
criada pelo diretor lembra muito, inclusive, a primeira sequência de ação do
filme de 2009, onde Chris Hemsworth lidava com várias escolhas para salvar o
grupo. Notemos, por exemplo, os efeitos, competentes que, por sinal, explodem e
trazem cores diversas ao formato desenvolvido pela série, algo que, obviamente,
em 1966 não era permitido, ainda que eles se esforçassem.
O
defeito, no entanto, talvez seja algumas liberdades tomadas no programa, como o
envolvimento de uma personagem com Sarek, pai de Spock, além da falta de vida
da nave, que não tem detalhes que lhe caracterizam, diferente de como foi
com Enterprise. Parece que, por incrível que pareça, o show não teve
dinheiro para desenvolver algo além dos corredores, como a série original. Ou
será que foi uma homenagem?
Entretanto,
a série ainda consegue ser atual, já que traz outra nave, a USS Europa, que
serve como uma ponte real do nosso mundo, uma vez que as guerras atuais fizeram que muitos refugiados, incluindo os Sírios, fossem para o continente europeu.
Outro ponto instigante é a diplomacia e a guerra desenvolvida entre ambos os
grupos, logo que traz a discussão de quem deve atirar primeiro, algo que lembra
a atual tensão entre Estados Unidos e Coréia do Norte.
Muitos
apontaram a falta de ciência e filosofia como um erro. Entretanto, este foi o
primeiro episódio. Discovery ainda tem muito o que mostrar, para o bem ou para
mal. Vamos torcer para ser a primeira opção. Inclusive, vamos reclamar de
incongruências narrativas, ao invés de se basear em uma temática fanática que,
infelizmente, afasta muitos curiosos determinados a gostar do programa.

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